Hylics
O ano era 2016. Lá estava eu, ainda na universidade, quando minha melhor amiga à época, Belle, com quem sempre dividi gostos bem peculiares, me disse: "Preciso te mostrar um jogo." Ela apareceu na minha casa com o notebook, sorrindo de um jeito misterioso, e me apresentou algo que parecia de outro planeta. E foi assim que conheci Hylics, o primeiro jogo surrealista que vi na vida. Ali, naquele instante, não era só um jogo que eu estava descobrindo. Era como entrar numa experiência, algo que desafia tudo que eu conhecia até então.
Hylics é como um sonho estranho do qual você não consegue escapar. Ele te faz questionar o que é real, se é que importa saber o que é real. Criado por uma única pessoa, Mason Lindroth, em 2015, esse RPG por turnos não segue as regras que estamos acostumados. Lindroth não só fez toda a arte e programação, mas também modelou personagens em argila, animou manualmente e digitalizou cada elemento para compor o mundo surreal do jogo. Até parte da trilha sonora foi obra dele. E como se não bastasse, ele usou diálogos gerados por procedural generation – um processo que utiliza algoritmos para criar conteúdo de maneira dinâmica e aleatória – o que só intensifica o toque abstrato e desconcertante. Isso tudo resulta em um jogo tão único que parece uma viagem a um lugar que não deveria existir.
Você assume o controle de Wayne, um protagonista com formas perturbadoras, e passa a explorar um universo que mais parece uma colagem de sonhos caóticos. Os diálogos são desconexos, quase sempre incompreensíveis. Mas essa é a magia: você não está ali para entender da maneira tradicional. Não existem explicações fáceis, muito menos tutoriais. Você precisa sentir, deduzir ou simplesmente se deixar levar pela correnteza dos eventos. No jogo, até mesmo a morte é uma passagem, não o fim. Wayne é reconstituído numa espécie de televisão biológica, e o ciclo de destruição e renascimento se torna quase uma metáfora filosófica sobre a efemeridade da vida.
A trilha sonora de Hylics, composta por Chuck Salamone, é um dos grandes destaques do jogo. Ao combinar elementos de rock progressivo com sons experimentais, Salamone criou uma música que acompanha o visual psicodélico do jogo de forma impecável. As faixas não seguem o padrão típico de trilhas sonoras de videogames, trazendo sons distorcidos, como se estivessem "derretendo" junto com as cores e formas na tela. Essa trilha intensifica a sensação de estranheza, como se cada nota estivesse em sintonia com o caos visual. A música não apenas acompanha, mas parece dançar com as imagens, completando a experiência sensorial de forma única e inesquecível.
Em 2020, Hylics 2 chegou. Mason Lindroth manteve seu estilo artístico singular, mas elevou a experiência ao introduzir uma transição para o ambiente 3D. O uso de modelos de argila digitalizados em 3D e animação em stop-motion trouxe ainda mais profundidade e textura ao mundo do jogo, transformando a sensação já psicodélica do primeiro em algo ainda mais imersivo. Essa mudança para o 3D também permitiu novas mecânicas, como pulos, deslizes e até viagens de airship, o que expandiu a fluidez da movimentação. O resultado é um universo tridimensional que parece uma "colagem viva", onde cada cena vibra com vida e distorção.
No aspecto da jogabilidade, embora o combate ainda seja baseado em turnos como no primeiro jogo, ele ganhou mais profundidade tática. As animações dos ataques e habilidades especiais ficaram mais refinadas, tornando cada batalha visualmente mais rica. Toda essa evolução estética e mecânica fez de Hylics 2 um marco no design de jogos indie, amplamente elogiado pela sua originalidade e pela ousadia de manter-se tão desconectado das convenções tradicionais.
No fim das contas, Hylics e Hylics 2 vão além de serem apenas jogos. Eles são experiências filosóficas e sensoriais. Não te oferecem respostas fáceis — aliás, não te oferecem resposta nenhuma, na maioria das vezes. O que torna Hylics tão especial é justamente isso: o convite para abraçar o mistério, para se render à estranheza e à beleza do desconhecido. Assim como foi para mim, em 2016, essa pode ser uma experiência inesquecível.