domingo, 19 de outubro de 2025

Alice Greenfingers

Lá nos meus anos de infância, tinha um joguinho que eu e minha irmã – três anos mais nova que eu – simplesmente não conseguíamos largar no computador de tubo lá de casa: Alice Greenfingers. Descobrimos ele meio sem querer, talvez num site de joguinhos grátis. Era um jogo bobo, todo coloridinho, leve, simples até dizer chega. E talvez por isso mesmo… tão impossível de largar.

Você começava com um pedacinho de terra e plantava flores, cenouras, tomates. Usava uma pá pra cavar, um baldinho pra regar, colhia na hora certa e levava tudo até uma barraquinha de vendas. Não tinha história, não tinha personagens memoráveis, nem música marcante – a musiquinha era extremamente repetitiva, se não me engano. Mas os sons... ah, os sons. Até hoje, se eu fecho os olhos, ainda ouço aquele "clac" perfeito da colheita, o som da terra molhada sendo regada, o barulhinho seco da pá afundando no solo. Os barulhinhos da barraquinha de vendas. Era quase como um ASMR, antes mesmo de esse termo existir.

Apesar de bem rudimentar, Alice Greenfingers era surpreendentemente funcional. Os gráficos eram simples, mas tudo ali era limpo, claro, organizado. A interface funcionava, ponto. Nada travava, nada bugava, tudo fluía com uma clareza quase pedagógica. A sequência, Alice Greenfingers 2, lançada em 2008, seguia o mesmo caminho, só que ainda mais serena – como se o jogo soubesse que a gente não queria correria, nem metas difíceis, nem competição. Só cuidar de uma hortinha com calma e, sei lá, deixar o mundo lá fora um pouquinho em suspenso.

Hoje é fácil ver que ele fazia parte dessa linhagem de jogos de fazenda, como Harvest Moon ou Stardew Valley. Mas ao contrário deles, Alice não tentava simular uma vida rural complexa. Não tinha casamento, nem amizades, nem mineração, nem mapas extensos pra explorar. Só terra, sementes, ferramentas e tempo. Nada além do essencial. E talvez por isso mesmo ele acerte tão em cheio. Existe algo de muito honesto nesse minimalismo. Tem gente no Reddit que diz que foi “o primeiro jogo de farming que joguei na vida”, ou que “nenhum outro jogo chegou perto da paz que Alice Greenfingers proporcionava”. Muita gente tenta rejogar hoje, mas o bichinho não roda bem em sistemas novos. Uma pena.

Voltar a pensar nesse jogo, tantos anos depois, me faz perceber como algumas experiências simples podem deixar marcas profundas. Eu e minha irmã revezávamos no mouse, decidindo o que plantar, onde colocar os girassóis, se valia a pena arriscar numa árvore frutífera. Era só um passatempo. Mas um dos nossos preferidos. E talvez por isso ele ainda viva na minha memória com tanto carinho. Às vezes tudo o que a gente precisa é isso: um cantinho de terra, um baldinho de água... e aquele barulhinho certo, na hora certa.

Confesso que ainda dá uma vontadinha de jogar.

Para assistir ao vídeo do gameplay completo, é só clicar na imagem abaixo. Por outro lado, se você quiser baixar e jogar, é só clicar aqui.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Rá-Tim-Bum (1990)

Existem memórias que parecem sonho. Uma delas é o Rá-Tim-Bum original, aquele programa da TV Cultura que nasceu em 1990 e, por quatro anos, reinventou o modo de conversar com as crianças. Quando se fala em “Rá-Tim-Bum” hoje, quase sempre a lembrança corre direto para o castelo – o mais famoso, o mais celebrado, o mais reprisado. Mas antes do castelo existia outro mundo. Um mundo mais simples, mais experimental, que talvez só as crianças dos anos 90 ainda consigam lembrar com nitidez.

Esse primeiro Rá-Tim-Bum não tinha uma história contínua nem personagens fixos. Era uma colagem de pequenos quadros educativos, cada um ensinando algo diferente: como funciona um objeto, como cuidar de si, o sentido das palavras, as curiosidades do mundo. Tinha humor, música, cores exageradas e uma imaginação que não dependia de grandes efeitos. O programa misturava arte e pedagogia com uma atenção artesanal que hoje parece improvável. Tudo era pensado com cuidado, das transições sonoras à escolha das cores. Assistir ao Rá-Tim-Bum era como abrir uma caixa de brinquedos e descobrir que dentro dela cabia o mundo inteiro.

Mas a memória é traiçoeira. Quando o famoso "Castelo Rá-Tim-Bum" estreou em 1994, levou consigo a força simbólica do nome e o transformou em algo maior. O castelo virou fenômeno cultural – nacional e internacional! –, ganhou exposição, produtos, reexibições, e até hoje é reconhecido por quem nem era nascido na época. Já o Rá-Tim-Bum original ficou guardado num canto mais silencioso da história, lembrado apenas por quem viveu aqueles anos de TV aberta educativa. É curioso pensar que o programa que deu origem ao nome acabou ofuscado por quem o herdou. Enquanto o castelo se tornou monumento, o original virou lembrança distante – e talvez aí esteja o seu verdadeiro encanto.

Rever o Rá-Tim-Bum hoje não é apenas relembrar. É enxergar o esmero de uma produção feita com poucos recursos, mas com ambição criativa. É notar o capricho dos figurinos, a inventividade das transições, a coragem de experimentar formatos que nem existiam. E é também encarar o estranho: cortes bruscos, gestos teatrais demais, sons fora de sincronia. Tudo isso compõe uma doçura meio bizarra, um retrato fiel de uma época em que a televisão infantil ainda estava tateando possibilidades.

O Rá-Tim-Bum original nunca quis ser eterno. Era um programa que acreditava, honestamente, que aprender podia ser divertido, e que o saber cabia num quadro de dois minutos. Seu valor agora está na nostalgia – nessa lembrança que surge quando alguém menciona o nome e, de repente, a gente sente o cheiro da tarde, o som da vinheta, a textura das cores. É um fragmento de um Brasil que via futuro na educação e acreditava que imaginação e conhecimento podiam caminhar juntos.

Eu ainda quero escrever sobre o Castelo Rá-Tim-Bum, claro – ele merece um espaço próprio. Mas antes, é importante lembrar desse Rá-Tim-Bum clássico. Foi ele que plantou a semente. O castelo ergueu as torres, mas o chão veio daqui. E quem teve a sorte de crescer assistindo, mesmo que já nem lembre de tudo, sabe o que ficou: aquele tipo raro de magia que o tempo não apaga, só embaça de leve, para que a gente possa reencontrar com mais ternura.

Abaixo, segue uma lista de links para vídeos de cada um dos quadros que compunham o programa e que entraram para a nostálgica história da TV Brasileira dos anos 1990.

Cadê o Léo? (1989)

Cadê o Léo, o Léo onde é que está?” A frase parece boba, quase uma cantiga de criança qualquer. Mas quem cresceu nos anos 90 e teve contato com o especial "Um Banho de Aventura" talvez sinta um arrepio involuntário ao ouvir esse verso. Produzido pela TV Cultura e exibido originalmente em 1989, o programa foi concebido como um telefilme infantil, na época sendo exibido em cinco partes ou episódios. Alguns dizem que foi a primeira aparição do Júlio do Cocoricó na TV. A canção-tema era tão marcante que o telefilme ficou popularizado sob o nome "Cadê o Léo?".

Desde os primeiros minutos, Júlio está atrás de Léo, seu leão de pelúcia. Descobre que ele foi mandado pra lavanderia… e sumiu. É aí que algo muda no ar. Conforme Júlio segue as pistas e mergulha nessa busca estranha, a história, que parecia só mais uma aventura infantil, começa a escorregar pra outro lugar. O clima fica esquisito, não abertamente assustador, mas com uma estranheza leve, como se a realidade estivesse desfazendo os contornos aos poucos.

Uma das primeiras coisas que entregava o clima estranho eram os fantoches. Não os bonecos do Cocoricó, que já conhecíamos bem, mas figuras novas, de aparência menos amigável, quase inquietante. Como a idosa de nome alemão impronunciável, Fraulein, que aparece por volta do minuto 9. Ela surge de forma abrupta, com trejeitos rígidos, voz engasgada e um rosto que beira o grotesco. Uma cabeça enorme que parecia ter três queixos. Essa figura, misturada ao cenário artesanal, gerava uma dúvida que não era racional, mas sensorial: isso aqui é pra criança mesmo? Além disso, reassistindo agora já na idade adulta, é fácil perceber que o filme conta com vários momentos de sonoplastia de terror, com sons de fundo que causam calafrios.

Mais de vinte anos depois, o especial é lembrado não pela história em si, mas pela sensação. Uma atmosfera silenciosamente deslocada, que parecia romper alguma expectativa implícita sobre o que era “seguro” num programa infantil. Anos depois, ao reaparecer no YouTube, os comentários se alinharam: “Achei que fosse um delírio coletivo”, “Me dava medo real”, “Essa música me persegue até hoje”. O que ficou não foi saudade, mas uma sensação esquisita que insistia em voltar.

Não era o enredo que inquietava. Nem os personagens, isoladamente. O que marcava era o clima, a ausência de explicações, a sensação de que a história era contada de dentro da mente de uma criança – uma que ainda não distingue direito o que é real, o que é sonho, o que é invenção. A lavanderia vira um portal para a ilha de Melakunka, habitada por criaturas de nomes nonsense como “Pato Que Ri” e “Criatura”. Isso sem falar do pelicano excêntrico, que era piloto de avião. Nada ali se justifica, tudo só acontece. E é justamente por isso que gruda na memória – porque toca o estranho sem anunciar.

Os cenários, feitos com tecidos, caixas e objetos domésticos, reforçam essa ambiguidade. Lembram cabaninhas improvisadas, mas sempre com algo torto, um detalhe fora do lugar, uma sombra a mais. Os bonecos não piscam. Observam. Os espaços parecem feitos para brincar, mas emitem um desconforto surdo, como acordar no próprio quarto e notar que algo está sutilmente errado.

No centro disso tudo, a música. A canção-tema repete o mesmo verso como um mantra girando em círculos: “Cadê o Léo, o Léo onde é que está?” Mas ela não leva a lugar nenhum. Ela só repete. E gruda. Muitos adultos relatam lembrar da música surgindo do nada, anos depois, como um fragmento esquecido que o corpo guardou. Ela não era apenas trilha – era um vínculo invisível entre o que se perdeu e o que nunca se explicou.

A sensação mais profunda é a de perda. Júlio busca algo amado que sumiu sem razão. E quando reencontra… já não é o mesmo. Léo voltou, mas algo se quebrou com a perda, com o luto e com a busca bizarra. Essa virada silenciosa é um luto sem nome, uma ausência disfarçada de final feliz. Uma espécie de aprendizado invisível: o que some pode voltar, mas nem sempre volta igual.

Talvez seja por isso que tantos adultos hoje revisitam o especial com um desconforto que não conseguem traduzir. Não era medo de monstros. Era a percepção, ainda que embrionária, de que o mundo não garante devolução. "Cadê o Léo?" era um ritual disfarçado. Um jeito torto de dizer à infância que existe sombra – e que, um dia, ela chega.

E talvez a coisa mais potente – e mais sutil – seja essa: usar espuma pra falar de perda. Fantoches pra falar de ausência. Canções de roda pra falar de luto. E por isso ficou. Entrou fundo, numa dobra da memória, onde as coisas que doem e encantam moram juntas.

Assistir hoje, com olhos crescidos, é como voltar a um sonho meio apagado. Você reconhece os gestos, os sons, as texturas. Mas agora entende. E aí percebe que a máquina de lavar não era só uma máquina. Era um portal simbólico. O começo. Um aviso mudo de que até o que a gente ama pode desaparecer. E, se voltar… talvez já não caiba mais no mesmo colo.

Então, quando alguém canta “Cadê o Léo…”, não está só evocando uma lembrança de infância. Está, sem perceber, chamando de volta uma parte de si que ainda busca – não um brinquedo, mas o que se perdeu na travessia. E que talvez nunca volte do mesmo jeito.

Se quiser assistir a esse nostálgico e bizarro filme infantil, é só clicar abaixo!

Aqui vão alguns comentários selecionados, retirados do Youtube:

@leu5: "Meu trauma de infância e de todas as crianças da década de 90"
@RafaelPassarin13: "Eu ficava cantando 'cadê o Leo, cadê o Leo, o Leo onde é que está?' e só agora fui descobrir que era desse programa kkkk"
@camilaamaral1518: "Nossa, quando eu era pequena eu fiquei tão triste que o Léo sumiu kkkkkk chorava horrores, mas nunca tinha assistido o final. Que nostalgia!!!!"
@victorachutti1039: "Nossa, que presente poder encontrar essa série aqui. (...) Tinha 5 anos quando assisti, e tinha poucas lembranças, mas sabia que era algo que me marcou muito e me deu uma sensação que nunca havia sentido até então. Pra mim não era medo, mas um sentimento enigmático de mistério e fantasia."

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Mortal Kombat 4 (PS1)

Alguns jogos envelhecem bem. Outros azedam. Mas tem aqueles que desafiam qualquer categoria, como uma fita VHS esquecida no painel de um carro sob o sol: derretida, esquisita, mas ainda brilhando por dentro. Mortal Kombat 4 é um desses. Um jogo que parece ter sido feito sem a menor intenção de durar, e talvez por isso mesmo tenha sobrevivido – não nos rankings, mas em algum canto alternativo da memória.

Nunca joguei MK4 de verdade. Nunca tive o disco, nem o console. O que eu tive foi um amigo – o único com um PS1 à época – e o privilégio de assistir de fora. Sentada no chão da sala dele, pernas cruzadas, cabeça meio torta, via tudo como quem observa uma janela pro futuro. Porque até então minha referência era outra: MK3 Ultimate e suas versões de fliperama, todas ainda grudadas naquela estética 2D, sombria e pixelada, meio teatro de sombras, meio filme de terror. E aí, do nada, aquilo virou outra coisa. Os personagens ganharam volume, mas pareciam modelados em barro seco. Personagens novos que eu nunca tinha visto e cores bem curiosas. Hoje, quando revisito MK4, não vejo só um jogo. Vejo uma cápsula do tempo: tosca, falha, mas vibrando.

MK4 flertou, pela primeira vez na franquia, com o 3D. MK4 foi o primeiro MK a trocar os antigos sprites digitalizados por modelos poligonais, mergulhando de vez numa estética tridimensional. Mas esse 3D não era total: os combates ainda aconteciam em linha reta, com um botão que permitia um leve desvio lateral, mais performático do que prático. Ainda assim, algo mudou. Pela primeira vez, o jogo dava sinais de profundidade: os personagens não pareciam mais colados no fundo, e o espaço entre eles ganhava volume, mesmo que simbólico. Era uma ilusão tátil de avanço, como se o cenário respirasse em uma dimensão um pouco maior que a do 2D puro.

E com isso, veio também uma tentativa de reinventar a própria mitologia da série. Pela primeira vez, o vilão não era um brutamonte qualquer. Era um deus caído. Shinnok trazia uma vilania sofisticada e divina. Era, afinal,  uma deidade corrompida, gananciosa e que se achava "por direito" de conquistar tudo. Um ex-Elder God, exilado, ressentido, conspirando em silêncio. Sua presença transformava o jogo numa espécie de drama metafísico. Como se o Mortal Kombat tivesse saído da arena e escorregado pra dentro de um culto.

Mas o eixo narrativo verdadeiro era Quan Chi. Primeiro jogo em que ele aparece jogável, e já parecia maior que a própria tela. Pálido como osso, olhos vermelhos, movimentos secos e elegantes, e aquela aura de quem manipula os fios por trás da cortina. Ele não só libertou Shinnok do Submundo, mas costurou tudo ao redor com astúcia e trapaça. Não era só vilão, era cérebro. Uma espécie de Maquiavel necromante, operando no campo da estratégia. Enquanto os inimigos anteriores eram soco e magia bruta, Quan Chi era diplomacia e ilusão. E esse deslocamento de força pra inteligência mudou o tom inteiro da lore do jogo, ainda que momentaneamente.

Mesmo tropeçando nos aspectos técnicos, MK4 conseguiu montar um panteão que fazia sentido dentro da sua própria estranheza. Mas era um panteão instável, quase improvisado. Os novos personagens surgiam como figuras em busca de um lugar, ideias ainda meio soltas tentando se fixar no caos. Havia algo de inacabado neles – como se tivessem sido esboçados com pressa, sem tempo de descobrir quem realmente eram. Alguns pareciam versões diluídas de arquétipos já conhecidos, repetindo papéis com outros rostos. Outros até traziam certa ousadia, mas não conseguiam escapar da sombra dos veteranos. No fundo, havia no jogo um esforço genuíno de criação e iuovação, mesmo quando tudo ao redor parecia ruir.

Visualmente, o jogo é um espetáculo de imperfeição. Modelos rígidos, texturas com cara de areia molhada, olhos estáticos, bocas que mal se movem. Cores dissonantes que nunca entravam num acordo: laranjas gritavam, verdes quase neon saltavam da tela, e os azuis tinham um gelo que cortava. Não havia suavidade entre os tons, como se cada textura tivesse vindo de um mundo diferente, colada ali no improviso. No fim, tudo formava um mosaico meio torto, mas curioso: uma colagem de estéticas que não combinavam, mas davam ao jogo um charme próprio, estranho e impossível de esquecer. E às vezes me pergunto: será que não é exatamente isso que falta em tantos jogos de hoje? Essa coragem de ser bizarro. De errar o tom. De tentar algo, mesmo que saia torto.

Voltar a MK4 hoje é como abrir uma caixa de sonhos pela metade. Talvez não tenha acertado em quase nada. Mas tentou. Tentou reinventar um universo que já podia estar virando fórmula, tentou expandir o horizonte da franquia com novos mitos, novas texturas, novas intenções. Nos deu Shinnok e Quan Chi, nos deu um léxico novo pra luta. E mesmo eu, que só vi esse jogo com olhos de criança curiosa, sentada ao lado de quem jogava de verdade, fui atravessada por ele de um jeito único, em especial na sua estética e na inovação de introduzir tantos personagens novos.

MK4 não é só um jogo. É uma dobra no tempo. Um espaço intermediário. Um instante esquisito entre o que estava morrendo e o que ainda nem tinha sido inventado. É aquele momento estranho, um glitch, em que o erro vira identidade. A estranheza vira originalidade. E isso, pra mim, sempre vai ter mais valor do que a perfeição.

NOTA:
7
/10

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Os Padrinhos Mágicos

Se você foi uma criança dos anos 2000, talvez tenha lembranças bem vívidas de chegar da escola, largar a mochila no canto da sala e correr para a TV com um prato de bisnaguinhas com requeijão na mão. Era sagrado. E, ali, entre uma mordida e outra, uma dose diária de caos colorido te esperava: "Os Padrinhos Mágicos". Aquele desenho elétrico, barulhento, cheio de absurdos visuais e narrativos, e que, curiosamente, mesmo com todo o escândalo, carregava uma tristeza difícil de nomear. Era como se aquele menino de boné rosa e seus padrinhos-fada soubessem, em algum nível, que crescer ia doer. E talvez fosse essa a grande mágica do desenho: rir como quem esquece por um instante o peso que carrega nos olhos.

Criado e lançado em 2001, "Os Padrinhos Mágicos" não se pareciam com nada – a não ser com "Danny Phantom", do mesmo criador do desenho, lançado três anos mais tarde. O traço era duro, com cores vivas e personagens que pareciam ter sido desenhados num momento de impulso. Nada ali era polido – e talvez por isso mesmo, tudo era absurdamente vívido. A história girava em torno de Timmy Turner, um menino de 10 anos com pais sempre ocupados demais, uma babá que flertava com o sadismo e um segredo que mudaria tudo: fadas madrinhas que realizavam desejos. O que poderia dar errado? Tudo, claro. Porque Timmy, com seus desejos impensados, vivia provocando desastres cósmicos, invertendo lógicas, bagunçando universos. Mas, entre piadas escrachadas e confusões surreais, o que se revelava era um espelho torto da infância – aquele tempo onde nada fazia sentido, mas tudo era urgente.

Havia um subtexto quase cruel por trás do humor. Os adultos eram caricaturas de inutilidade ou loucura – o pai idiota, a mãe alienada, o professor Crocker obcecado por fadas ao ponto da insanidade. Só restava a Timmy a magia – essa entidade que prometia ordem, mas trazia ainda mais caos. E é curioso como o desenho fazia tudo parecer engraçado, mesmo quando, no fundo, o que estava sendo dito era: crescer é ser ignorado, e sobreviver exige imaginação.

Foi na fase clássica, ali entre 2001 e 2006, que a série brilhou com mais força. Os roteiros eram imprevisíveis, cheios de reviravoltas, e havia sempre uma sombra passando pelas entrelinhas: o medo de ser esquecido, o desejo de ser visto. Cosmo, o idiota adorável; Wanda, a racional sensata; Timmy, o garoto tentando fazer sentido do mundo com um chapéu rosa e uma vara mágica. Era um trio que funcionava porque se equilibrava na corda bamba entre o absurdo e o afeto.

Com o tempo, o desenho cresceu em ambição. Vieram os filmes, os especiais, os episódios duplos, as dimensões paralelas, os crossovers com Jimmy Neutron – a trilogia de filmes "Jimmy e Timmy: O Confronto" (2006). O longa-metragem "A Caçada dos Padrinhos Mágicos" (2006) por exemplo, é uma pérola que talvez só agora, revendo com olhos de adulto, a gente perceba a genialidade. Uma viagem satírica por referências de cultura pop – de "Dragon Ball Z" a "Scooby-Doo" – tudo costurado por um discurso metalinguístico que, de algum modo, conversava com a ansiedade moderna: a necessidade de escapar, de mudar de canal, de estar em todo lugar ao mesmo tempo.

Era um desenho que conseguia ser infantil e sofisticado sem parecer pretensioso. Só que, como tudo que tenta durar demais, a mágica começou a vacilar. A chegada de Poof, o bebê mágico, foi o primeiro sinal de que algo estava mudando. Isso aconteceu logo no início da 6ª temporada, em 2008. A série parecia buscar novos encantos para manter a audiência, mas perdia o coração do absurdo original. Ainda havia bons momentos, claro. Mas tudo era diferente. As mudanças seguintes foram mais bruscas. Em 2013, a entrada da nova personagem, uma tal de Chloe, dividindo os padrinhos com Timmy, não caiu bem. Os fãs não engoliram. O traço se tornou ainda mais saturado, as piadas, menos afiadas. Parecia uma tentativa desesperada de reinventar o que já tinha sido brilhante. O coração do desenho, aquele caos emocional e sensível que batia por baixo da gritaria, foi se apagando aos poucos.

E então veio talvez o episódio mais estranho e dolorosamente maduro da série: “O Pedido Secreto de Timmy!” (2011). Nele, descobrimos que Timmy, sem que ninguém soubesse, havia desejado que o tempo parasse. Ninguém mais envelheceria. Nem ele, nem Cosmo, Wanda, Poof... nem ninguém. Durante 50 anos, o mundo ficou congelado numa infância artificial – uma bolha de negação tão perfeita que ninguém notou. Quando o Conselho das Fadas descobre, Timmy é julgado, e tudo precisa ser corrigido: o tempo volta, todos envelhecem de uma vez, ele perde os padrinhos. Esquece tudo. E talvez o que mais machuque seja isso: ele nem sabe o que perdeu. Não sente falta, não chora por ninguém – só segue, como quem acorda de um sonho e não percebe que algo se perdeu no meio do caminho. A vida volta a andar, e pra ele parece normal. Mas a gente viu. A gente lembra. Sabemos do que ele abriu mão sem saber, e é aí que a coisa aperta – nesse abismo entre o que ele vive e o que a gente não consegue esquecer. É como se, de repente, toda a magia da infância escorregasse pelos dedos, sumindo sem deixar rastros. O que ele queria, no fundo, era continuar criança. O preço foi nem ao menos lembrar que um dia foi. Esse episódio virou uma bomba emocional dentro do fandom. Alguns o consideram brilhante, uma espécie de confissão involuntária sobre o medo de crescer. Outros detestam, por parecer uma tentativa forçada de encerrar a história. Mas, pra mim, é uma pequena obra-prima do incômodo. A mágica sempre teve um preço, e Timmy, como qualquer um de nós, só queria que as coisas não mudassem. O problema é que querer que nada mude também é um tipo de morte. E o desenho entendeu isso melhor do que muita gente grande.

Apesar das mudanças e tropeços, há momentos icônicos que ficaram gravados na memória com tinta permanente. O episódio em que Timmy navega pela internet como se estivesse surfando em uma autoestrada de dados (2x23) é puro suco dos anos 2000. Os crossovers com Jimmy Neutron, mesmo com aquele 3D esquisito que deixava Cosmo com cara de brinquedo derretido, tinham um charme nostálgico impossível de replicar. Há algo de muito verdadeiro nesse eco. Porque o desenho, mesmo nos seus momentos mais ridículos, sabia tocar em nervos que não se curam com o tempo.

E talvez seja por isso que "Os Padrinhos Mágicos" ainda ressoem tanto. Porque eles não eram só sobre desejos, varinhas ou peixes-dourados no aquário. Eram sobre a sensação de não caber no mundo. Sobre querer desaparecer e, ao mesmo tempo, desesperadamente, ser encontrado. Eram uma linguagem secreta para crianças que se sentiam deslocadas. Uma forma de dizer “me escuta” sem precisar gritar. E hoje, olhando pra trás, eu entendo: todos nós já fomos Timmy Turner por alguns instantes. Já quisemos congelar o tempo, manter aquilo que amamos do jeitinho que estava. Mas a vida, diferente dos desenhos, não deixa a mágica durar pra sempre. E, tudo bem. Porque às vezes o que fica, mesmo quando tudo se apaga, é o que aprendemos entre um desejo e outro. 

Se eu tivesse um único desejo, talvez escolheria voltar a ser criança, de volta à época em que a única preocupação era não perder aos melhores episódios dos meus desenhos favoritos na TV! E o seu, qual seria?

terça-feira, 3 de junho de 2025

The Sims 1 Makin' Magic

Nós já falamos aqui neste blog, extensamente até, sobre o inesquecível The Sims 1. Agora, no entanto, vamos nos aprofundar e falar da expansão mais especial dessa relíquia digital. Aquela que abriu as portas da magia, não só para o primeiro jogo da franquia, como para todos os que vieram depois.

Eu lembro exatamente de quando encontrei aquele portal escondido no fundo do quintal. Magic Town não era só um novo bairro no jogo – era como descobrir que a realidade tinha frestas. Um lugar empoeirado e estranho, onde tudo parecia meio torto, mas acolhedor, como um circo esquecido que resolveu fincar raízes e não ir embora. O tipo de coisa que a gente não espera, mas também não consegue mais largar.

O que Makin’ Magic fez foi pegar o cotidiano já esquisito do The Sims 1 e temperá-lo com uma magia que não grita. Ela sussurra. Em vez de transformar tudo num carnaval de efeitos, a expansão se infiltra devagar na vida dos Sims. O encantamento está nas brechas – na loja da esquina, no objeto herdado da avó, na quitanda que vende ingredientes improváveis. É como se a realidade do jogo tivesse levado um susto... e decidido continuar como se nada tivesse acontecido.

A ambientação acerta em cheio. As tendas desbotadas, as barracas de madeira, as texturas que parecem ter sido pintadas à mão – tudo remete a uma nostalgia que nunca vivemos, mas que sentimos mesmo assim. Há algo de retrô, mas sem saudosismo. Como se o tempo ali fosse um pouco mais lento, mais denso. E no meio disso tudo, está ela: Ossilda. A empregada esquelética que sai de um caixão de madeira pra cozinhar, limpar e alimentar bebês sem nem piscar – ou melhor, sem nem ter pálpebras. Ela não precisa dizer nada pra ser inesquecível. Está ali, entre o grotesco e o familiar, como tudo nessa expansão.

A trilha sonora, absolutamente única, também não segue o caminho óbvio. Ao invés de músicas novas, a Maxis reaproveitou faixas de álbuns obscuros, com aquele ar de teatro de rua, realejo desafinado e nostalgia levemente melancólica. É o tipo de som que não se impõe, mas toma conta. Dá a sensação de que algo está prestes a acontecer – algo mágico e estranho. E você nem precisa entender o quê.

O que mais fica, pra mim, é o clima suspenso que essa expansão conseguiu criar. Não é sobre o outono literal, nem sobre Halloween importado. É mais uma sensação – como se o tempo tivesse parado num ponto exato entre o dia e a noite. Um crepúsculo duradouro, onde as coisas comuns parecem carregar segredos. Makin’ Magic criou um mundo em que a fantasia não é fuga, mas extensão. Onde o absurdo se acomoda ao lado do trivial sem pedir licença.

Talvez seja por isso que essa expansão deixou uma marca tão viva. Não apenas pelo que acrescentou em mecânicas, mas pelo que despertou na nossa imaginação. Ela abriu uma fresta que a gente não sabia que existia. E por essa fresta, entrou um mundo estranho, mágico e um pouco empoeirado – que, de algum jeito, parecia feito sob medida pra quem sempre sentiu que o real precisava de um toque a mais.

terça-feira, 1 de abril de 2025

The Sims 3

Imaginem vocês: após a grande reviravolta da liberdade 3D de ângulo e profundidade trazida por The Sims 2, recebemos, em 2009, mais um salto gigantesco para a franquia: o aclamado The Sims 3, que introduziu, pela primeira vez, o tão sonhado mundo aberto e um sistema de personalização praticamente infinito. Pela primeira vez, os jogadores podiam pintar móveis, paredes e roupas nos mínimos detalhes, transformando cada elemento do jogo em algo verdadeiramente único. De repente, não existiam mais telas de carregamento entre os lotes. A cidade passou a ser um organismo vivo, dinâmico, onde tudo fluía de maneira ampla e natural. A sensação de liberdade era revolucionária.

Claro, essa grandiosidade tinha um preço. O mundo aberto, por mais impressionante que fosse, vinha acompanhado de desafios técnicos. Em computadores mais modestos, o jogo não tardava a apresentar travamentos, e, mesmo em máquinas potentes, o desempenho oscilava de forma imprevisível. Bugs, Sims presos em loops estranhos, vizinhanças que paravam de progredir… Nada disso era incomum. Ainda assim, The Sims 3 brilhava em seu propósito: transformar a cidade inteira em um cenário interativo, onde a vida acontecia sem restrições visíveis. Mas, para isso, era (e continua sendo) necessário uma placa de vídeo que "aguente o tranco".

A minha parte favorita do jogo, sem sombra de dúvidas, é a ferramenta “Criar um Estilo”. Essa funcionalidade trouxe, pela pela primeira e última vez na franquia, a verdadeira personalização sem limites, permitindo aplicar cores, texturas e padrões únicos em praticamente tudo: roupas, cabelos, móveis e até mesmo pequenos objetos decorativos. Com a querida color wheel, era possível escolher e combinar cores com precisão artística, criando ambientes e personagens que refletiam perfeitamente a visão e a intenção de cada jogador. Para quem, como eu, sempre encontrou em The Sims o maior prazer justamente no ato de construir e decorar, essa função permanece, até hoje, imbatível e incomparável. Nesse aspecto, nenhum outro jogo da franquia conseguiu superar The Sims 3. E é por isso que, até hoje, sempre volto a ele para construir e decorar.

Se a base do jogo já era rica, os pacotes de expansões trouxeram camadas ainda mais profundas de possibilidades. World Adventures permitia explorar tumbas e viajar pelo mundo, Ambitions expandia carreiras interativas, Late Night adicionava o glamour da vida noturna, e Generations dava uma atenção especial ao desenvolvimento familiar. E isso foi só a primeira leva. Seasons, Pets, Supernatural… Cada expansão ampliava o escopo do jogo, tornando o universo dos Sims ainda mais vivo e dinâmico. Tratava-se de um jogo que não se limitava a simular o dia a dia; ele permitia criar histórias ricas em detalhes, vivenciar realidades alternativas e, principalmente, dar vida às narrativas mais improváveis.

Se comparado a The Sims 4 – que, convenhamos, é um jogo fragmentado, dependente de incontáveis pacotes adicionais para se tornar minimamente completo – The Sims 3 ainda se destaca por ter chegado “pronto”, com uma base sólida que já oferecia um mundo dinâmico e cheio de possibilidades desde o primeiro instante. Você não precisava investir em dezenas de expansões só para sentir que algo realmente acontecia na sua vizinhança.

Na verdade, em quase todos os aspectos, The Sims 3 supera infinitamente seu sucessor, o trágico The Sims 4. Não apenas pelo sistema de personalização incomparável graças à color wheel – que, como já disse, é absolutamente insuperável – mas também por entregar um mundo aberto autêntico, detalhado e repleto de vida. Visualmente, essa diferença de proposta também se destaca. Enquanto The Sims 3 apostava em uma estética mais realista, com tons sóbrios e texturas detalhadas que reforçavam a imersão no cotidiano virtual, The Sims 4 optou por um estilo cartunesco, com cores vibrantes, traços simplificados e uma aparência mais polida, muito menos realista. Essa escolha visual, embora contribua para uma performance mais fluida e acessível ao grande público, comprometeu grande parte da profundidade e verossimilhança que tornam The Sims 3 tão envolvente. Havia uma ambição estética clara que The Sims 4 deliberadamente abandonou, tendo este se revelado um retrocesso óbvio, simplificando quase tudo por conveniência técnica e comercial. Aspectos essenciais, e até mesmo pequenos detalhes do cotidiano, foram reduzidos ou removidos completamente, transformando o jogo em algo limitado e infantilizado, claramente pensado para gerar lucro com expansões intermináveis. Não há dúvidas: The Sims 3 continua sendo infinitamente superior.

No entanto, por mais que tenha revolucionado a jogabilidade, eu não pude deixar de carregar comigo a nostalgia e a profundidade emocional de The Sims 2, que já analisamos aqui no blog. O mundo aberto em The Sims 3 era fascinante: um simples passeio ao parque ao pôr do sol ou uma ida despreocupada à cafeteria tornavam-se pequenos eventos dentro do cotidiano virtual. Tudo parecia mais vivo, espontâneo, menos enclausurado. Ainda assim, havia algo intangível, indizível, inexplicável que se perdeu na transição entre as gerações. Para quem se encantou com o peso narrativo e emocional de The Sims 2, fica sempre a impressão de que, por mais vasto que fosse, The Sims 3 nunca conseguiu capturar aquela mesma magia indescritível de seus dois antecessores. Nem mesmo a trilha sonora chega aos pés da trilha de The Sims 1 de The Sims 2.

Mas isso não significa que lhe falte brilho próprio. Como já dito, o jogo trouxe uma revolução à franquia e entregou uma experiência expansiva, personalizada e aberta como nenhum outro. A liberdade de exploração, a ausência de telas de carregamento, a sensação de que tudo estava interligado… Esses elementos criaram um senso de imersão único, que ainda hoje, mais de 16 anos depois, continua atraindo uma comunidade apaixonada. Desenvolvedores de mods seguem aprimorando o jogo, otimizando seu desempenho e expandindo suas possibilidades – garantindo que ele jamais seja esquecido.

Se eu tivesse que definir The Sims 3 em uma frase, diria que ele é o “sonho do mundo aberto” realizado dentro do universo dos Sims. Ambicioso, imperfeito, mas inesquecível. Para quem busca liberdade de criação, cenários deslumbrantes a um clique de distância e a chance de construir e decorar sem barreiras, ele continua sendo uma opção irresistível. E, por mais que os anos passem, sempre haverá algo de mágico em voltar para suas cidades e se perder, mais uma vez, nas infinitas possibilidades que ele oferece.

NOTA:
9
/10

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Super Mario World

Se há um jogo que remete à infância de várias gerações, esse jogo é Super Mario World. Para nós, que crescemos nos anos 90 e anos 2000, basta ouvir os primeiros acordes da trilha sonora para sermos imediatamente transportados de volta à época das TVs de tubo, dos cartuchos assoprados e das tardes sem fim, tentando descobrir cada segredo dessa terra mágica em 16 bits. Mais do que um jogo, Super Mario World é um fragmento de tempo cristalizado em pixels, um portal para um passado onde os desafios eram simples, mas as emoções eram imensas.

Quando o Super Nintendo Entertainment System (SNES) chegou oficialmente ao Brasil em 1993, os videogames ainda viviam a transição dos 8 para os 16 bits. Para quem estava acostumado com os gráficos rudimentares do NES ou dos clones nacionais do Famicom, como o Phantom System, ver Super Mario World pela primeira vez era quase uma experiência transcendental. As cores vibrantes, os sprites detalhados, a trilha sonora cativante – um salto tecnológico inacreditável.

Mas ter um SNES naquela época não era para qualquer um. O alto preço dos consoles importados tornava o acesso mais difícil, e muita gente conheceu Super Mario World graças às locadoras ou àquele amigo ou primo sortudo que possuía o console. o que era sempre o meu caso. Os finais de semana eram planejados em torno da possibilidade de passar a tarde na casa de alguém jogando. 

A primeira coisa que chamava a atenção em Super Mario World era sua riqueza visual. Os 16 bits deram vida a um mundo expansivo e dinâmico, onde cada fase possuía identidade própria. Desde os campos verdes da Yoshi’s Island até as fortalezas sombrias do mapa do Bowser, o jogo emanava uma atmosfera única, e cada elemento parecia meticulosamente planejado para criar uma jornada envolvente e inesquecível.

Se havia algo que imediatamente distinguia Super Mario World de seus antecessores, era a introdução de Yoshi. O dinossaurinho não era apenas um aliado fofo – ele redefinia a jogabilidade, trazendo novas possibilidades estratégicas. Cada tipo de casco absorvido lhe dava uma habilidade diferente, criando um nível extra de profundidade e estimulando os jogadores a experimentarem abordagens alternativas. Yoshi foi tão bem recebido que se tornou um dos mascotes mais amados da Nintendo, conquistando espaço próprio em jogos futuros.

Uma das maiores revoluções do jogo estava na forma como ele tratava a exploração. Se os Marios anteriores eram experiências mais lineares, Super Mario World subverteu essa lógica, transformando cada fase em um pequeno quebra-cabeça. Atalhos ocultos, saídas secretas e um mapa dinâmico faziam com que cada jogada trouxesse algo novo.

Descobrir pela primeira vez a Star Road era um evento mítico, e a Forest of Illusion, com seus caminhos confusos e misteriosos, deixava qualquer um maluco. A sensação de desbloquear uma fase secreta era pura euforia, tornando o jogo não apenas um desafio de habilidade, mas também de curiosidade e persistência.

Nos anos 90, multiplayer significava estar lado a lado no sofá, trocando o controle a cada morte ou dividindo estratégias entre amigos. Super Mario World era um jogo feito para ser compartilhado, seja disputando quem conseguia passar uma fase sem perder vidas ou quem descobria o próximo atalho escondido.

As locadoras foram essenciais nesse fenômeno. Alugar Super Mario World na sexta-feira e passar o final de semana inteiro tentando zerá-lo antes da devolução era quase um ritual. Às vezes, o cartucho vinha com um save misterioso, revelando avanços que despertavam a curiosidade: "Quem era esse jogador desconhecido que já tinha desbloqueado tudo? Como ele conseguiu?" Esse intercâmbio indireto de experiências criou uma comunidade espontânea, na qual os segredos do jogo se espalhavam boca a boca. Em um Brasil onde a internet ainda engatinhava, o conhecimento sobre Super Mario World era transmitido como um segredo valioso. Aquele amigo que sabia destravar o Special World ou terminar a Star Road sem pular nenhuma fase virava uma espécie de guru local dos videogames.

Mas o que fazia Super Mario World ser realmente especial ia além da jogabilidade envolvente: eram os seus segredos. Cada fase parecia esconder algo a mais – uma saída alternativa, uma passagem oculta, um bloco invisível com um item valioso. O jogo não apenas permitia, mas incentivava a experimentação, transformando cada jogador em um explorador. Havia algo mágico em testar cada tubo, bater em cada parede suspeita, perseguir aquela sensação de que um segredo estava logo ali, esperando para ser descoberto. Encontrar a Star Road, por exemplo, era quase um rito de passagem, abrindo portas para atalhos misteriosos e até mesmo para o enigmático Special World, onde o desafio atingia outro nível. Esses mistérios não eram apenas mecânicas do jogo – eram histórias silenciosas, compartilhadas entre amigos no boca a boca, transformando a experiência individual em uma espécie de lenda coletiva.

Mesmo décadas depois, Super Mario World mantém um magnetismo inexplicável. Enquanto muitos jogos envelhecem ou se tornam obsoletos, este permanece tão envolvente quanto no primeiro dia. Parte disso se deve ao equilíbrio entre simplicidade e profundidade: qualquer um pode pegá-lo e se divertir, mas os jogadores mais dedicados sempre encontram novos desafios e segredos.

A trilha sonora é outro elemento essencial para sua longevidade. Quem ouve a música da Overworld Theme imediatamente é transportado para um tempo mais simples, onde as maiores preocupações eram desviar de um Toni Trombadinha ou encontrar um caminho alternativo no mapa. São melodias que se tornaram inseparáveis da memória afetiva de uma geração, evocando um misto de nostalgia e conforto. Mais do que um jogo, Super Mario World virou um símbolo de uma era. O fato de continuar presente em coletâneas modernas da Nintendo e ser jogado por novas gerações reforça que ele transcendeu sua época – não é somente um clássico, como também um pilar fundamental da história dos videogames.

Para quem cresceu nos anos 90, Super Mario World é muito mais do que um jogo de plataforma. Ele é uma lembrança viva da infância, das amizades construídas ao redor de um console, das pequenas vitórias ao descobrir um segredo inesperado. Seu impacto vai além da inovação técnica ou do level design impecável. Ele moldou a forma como muitos enxergam os videogames – não apenas como um passatempo, mas como um espaço de exploração, descoberta e conexão.

E talvez seja por isso que, mesmo hoje, ao ver a tela de abertura de Super Mario World, um arrepio percorra a espinha. Porque há jogos que fazem parte da nossa história, e há aqueles que simplesmente nunca nos deixam. Enquanto houver um SNES funcionando (ou um emulador, porque a nostalgia sempre encontra um jeito), Super Mario World continuará sendo um lar pixelado, esperando para nos receber de volta.

NOTA:
10
/10

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

The Simpsons: Hit & Run

Se você cresceu nos anos 2000 assistindo Os Simpsons e jogando videogame, há grandes chances de The Simpsons: Hit & Run (2003) ter um lugar especial na sua memória. Ele pegou a fórmula de GTA III, removeu a brutalidade e recheou tudo com o humor caótico e sarcástico da série. O resultado? Um jogo de mundo aberto onde Springfield vira um playground interativo, cheio de referências, diálogos afiados e missões absurdas. Dois detalhes tornaram essa experiência memorável: a fidelidade ao universo dos Simpsons e a sensação de liberdade ao explorar a cidade. Mesmo depois de duas décadas, Hit & Run ainda é lembrado com carinho – e por muitos, é visto como um daqueles jogos que precisam de um remake.

Confesso que foram poucas as vezes em que pude jogar esse jogo, mas todas as vezes que o fiz (sempre no PS2 ou em emulador de PS2 para PC), fiquei encantada pela estética de “GTA colorido e family friendly”. Sempre fui fascinada por mundos abertos, desde pequena, e havia algo mágico na forma como Springfield parecia viva e acessível, como se eu pudesse realmente fazer parte daquele universo. Era um daqueles jogos que, mesmo sem jogar por horas a fio, deixava uma marca por sua atmosfera única e inesquecível. 

Hit & Run seguia a estrutura clássica de missões em mundo aberto, divididas em sete níveis, cada um protagonizado por um personagem jogável: Homer, Bart, Lisa, Marge e até o Apu. A cidade estava cheia de NPCs falantes, colecionáveis e missões que envolviam corridas contra o tempo, fugas cinematográficas e entregas absurdas. A principal inspiração era GTA III, mas sem a violência gráfica. Sim, você podia “roubar” carros – mas aqui, ninguém ligava. Sim, você podia atropelar pedestres – mas eles apenas soltavam frases engraçadas e seguiam em frente. A polícia existia, mas só te multava se você causasse confusão demais.

Além das missões, havia um sistema de moedas que permitia comprar veículos e skins temáticas para os personagens. A variedade de carros era um show à parte, trazendo desde o icônico carro cor-de-rosa do Homer até o Plow King. Outro charme era a trilha sonora dinâmica e as falas dos personagens, todas dubladas pelos atores da série. Esse detalhe fazia o jogo soar como um episódio interativo.

Um dos grandes trunfos de Hit & Run era a forma como Springfield foi recriada. As ruas, os prédios e os diálogos eram cheios de detalhes tirados diretamente da série. Cada canto do mapa tinha algo para explorar, e os fãs podiam reconhecer instantaneamente locais icônicos, como o Kwik-E-Mart e a Usina Nuclear do Sr. Burns. O jogo era dividido em três mapas principais, que se modificavam conforme a história avançava – uma solução criativa, mas que podia dar a sensação de repetição para quem esperava um mundo completamente aberto.

A comparação com GTA III era inevitável, mas Hit & Run tinha personalidade própria. Enquanto o clássico da Rockstar apostava em um tom sombrio e realista, o jogo dos Simpsons abraçava o absurdo e o humor nonsense. A acessibilidade também era um diferencial: sem mecânicas punitivas, sem missões impossíveis, apenas diversão descompromissada.

Hit & Run ainda é um dos melhores jogos licenciados baseados em uma série animada, com sua atmosfera vibrante, humor afiado e uma Springfield cheia de detalhes que fazem qualquer fã se sentir em casa. No entanto, revivê-lo hoje pode não ser tão envolvente quanto a memória sugere. As missões são repetitivas, os tempos de carregamento testam a paciência, e a física dos carros pode ser mais frustrante do que divertida. A nostalgia o mantém vivo, mas, sem ela, a experiência já não tem o mesmo brilho.

O desejo por um remake continua forte na comunidade de fãs. Modders dedicados já recriaram partes do jogo em motores gráficos modernos, e fãs continuam pedindo uma versão remasterizada. Mas, enquanto nada oficial acontece, Springfield segue esperando pelos jogadores nostálgicos – sempre pronta para mais uma aventura caótica e sarcástica.

NOTA:
6,5
/10

domingo, 26 de janeiro de 2025

Viva Piñata

Viva Piñata é um daqueles jogos que aquecem o coração. Lançado em 2006 para Xbox 360, ele nos transporta para um jardim cheio de vida, onde o objetivo é atrair e cuidar de piñatas – criaturas coloridas e carismáticas feitas de papel machê. É o tipo de jogo que combina fofura com uma pitada de estratégia, perfeito para quem gosta de criar e explorar em seu próprio ritmo. Apesar da aparência simples e acolhedora, ele esconde uma profundidade surpreendente, oferecendo desafios que cativam tanto iniciantes quanto jogadores mais experientes.

Por trás dessa ideia encantadora está a Rare, o lendário estúdio britânico que revolucionou os videogames nos anos 90 com títulos icônicos como a aclamada trilogia Donkey Kong Country. Famosa por sua criatividade e atenção aos detalhes, a Rare sempre teve um talento especial para criar mundos que capturam nossa imaginação. Em Viva Piñata, essa tradição continua com um jogo que transborda personalidade, seja nos cenários vibrantes ou nas animações divertidas das piñatas. Cada detalhe foi pensado para tornar o jardim mais do que um espaço virtual – ele é o coração pulsante da experiência.

O que realmente chama a atenção em Viva Piñata é a forma como ele mistura simplicidade e cuidado. A premissa é criar um jardim que atraia diferentes espécies de piñatas, cada uma com suas preferências. Algumas gostam de flores específicas, enquanto outras precisam de certos tipos de solo ou condições para aparecer. Quando duas piñatas da mesma espécie se encontram, elas podem “romancear” – uma palavra adorável que o jogo usa para descrever o processo de reprodução, acompanhado por uma dancinha única que nunca deixa de arrancar um sorriso.

Além de ser charmoso, o jogo apresenta gráficos que estavam à frente de seu tempo. Embora as piñatas tenham um visual cartunesco e exagerado, o nível de detalhe nas texturas, iluminação e animações dá um toque de hiper-realismo que faz tudo parecer ainda mais mágico. A mudança entre dia e noite, assim como as condições climáticas, não só adiciona variedade visual, mas também influencia a jogabilidade. É como se o jardim tivesse vida própria, respondendo ao cuidado do jogador de maneiras pequenas, mas impactantes.

A trilha sonora de Viva Piñata é como um abraço sonoro que envolve o jogador no clima tranquilo e acolhedor do jogo. As músicas noturnas são as minhas favoritas – eu poderia ouvi-las o dia todo. Com melodias orquestrais suaves, quase como canções de ninar, a música evoca o charme do campo enquanto passeia por altos e baixos que despertam diferentes emoções. Essas nuances musicais transformam cada momento no jardim em algo especial, alternando entre o relaxamento absoluto e um toque de curiosidade ou expectativa. Mais do que complementar a jogabilidade, a trilha sonora dá vida ao jardim, sendo tão encantadora que muitos fãs continuam a ouvi-la mesmo fora do jogo, como uma obra atemporal que ainda transmite sua magia.

Cuidar do jardim é uma tarefa que mistura criatividade com planejamento. O sistema de plantação é parte essencial dessa dinâmica: você pode cultivar uma variedade de plantas, cada uma com funções específicas, como atrair novas piñatas ou servir de alimento para as que já residem ali. Algumas plantas exigem cuidados especiais, como água na medida certa ou fertilizantes produzidos por piñatas específicas, o que adiciona um toque estratégico ao cultivo. É um equilíbrio constante entre criar um espaço bonito e funcional, sempre com espaço para experimentação. (Uma boa dica é plantar pimentas. Elas dão muito dinheiro!)

Claro, nem tudo é tranquilidade no mundo de Viva Piñata. Entre uma flor desabrochando e uma piñata dançando alegremente, surgem os desafios. As sour piñatas, versões “amargas” das criaturas amigáveis, podem invadir seu jardim e causar confusão. Para lidar com elas, o jogador precisa adotar estratégias específicas, como alimentá-las com itens que as tornam amigáveis ou mesmo destrui-las. Apesar disso, o jogo nunca fica frustrante. Ele sempre dá ferramentas para superar os problemas, reforçando uma mensagem de paciência e persistência.

Algo que diferencia Viva Piñata de outros jogos do gênero é a liberdade que ele dá ao jogador para personalizar o jardim. Você pode criar um espaço com lagos, gramados amplos, flores em tons suaves ou cores vibrantes – tudo depende do seu estilo. Essa flexibilidade torna cada partida única, incentivando a criatividade e criando uma conexão especial com o mundo do jogo. O jardim se transforma em uma extensão do próprio jogador, refletindo suas escolhas e preferências.

No fim, Viva Piñata é muito mais do que um simples passatempo. Ele tem aquele algo a mais – uma mistura de charme, fofura e desafio – que o torna inesquecível. A Rare, com sua expertise em criar experiências envolventes, conseguiu capturar algo universal: o prazer de cuidar, criar e se conectar. Não importa se você é um fã de longa data da Rare ou está conhecendo o estúdio pela primeira vez, Viva Piñata é o tipo de jogo que conquista sem esforço, deixando uma marca especial. E, ao fechar o jogo depois de algumas horas no jardim, você percebe que está saindo não só de um jogo, mas de um espaço que, de alguma forma, conseguiu alegrar o dia.

NOTA:
8
/10