quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Cadê o Léo? (1989)


Cadê o Léo, o Léo onde é que está?” A frase parece boba, quase uma cantiga de criança qualquer. Mas quem cresceu nos anos 90 e teve contato com o especial "Um Banho de Aventura" talvez sinta um arrepio involuntário ao ouvir esse verso. Produzido pela TV Cultura e exibido originalmente em 1989, o programa foi concebido como um telefilme infantil, na época sendo exibido em cinco partes ou episódios. Alguns dizem que foi a primeira aparição do Júlio do Cocoricó na TV. A canção-tema era tão marcante que o telefilme ficou popularizado sob o nome "Cadê o Léo?".

Desde os primeiros minutos, Júlio está atrás de Léo, seu leão de pelúcia. Descobre que ele foi mandado pra lavanderia… e sumiu. É aí que algo muda no ar. Conforme Júlio segue as pistas e mergulha nessa busca estranha, a história, que parecia só mais uma aventura infantil, começa a escorregar pra outro lugar. O clima fica esquisito, não abertamente assustador, mas com uma estranheza leve, como se a realidade estivesse desfazendo os contornos aos poucos.

Uma das primeiras coisas que entregava o clima estranho eram os fantoches. Não os bonecos do Cocoricó, que já conhecíamos bem, mas figuras novas, de aparência menos amigável, quase inquietante. Como a idosa de nome alemão impronunciável, Fraulein, que aparece por volta do minuto 9. Ela surge de forma abrupta, com trejeitos rígidos, voz engasgada e um rosto que beira o grotesco. Uma cabeça enorme que parecia ter três queixos. Essa figura, misturada ao cenário artesanal, gerava uma dúvida que não era racional, mas sensorial: isso aqui é pra criança mesmo? Além disso, reassistindo agora já na idade adulta, é fácil perceber que o filme conta com vários momentos de sonoplastia de terror, com sons de fundo que causam calafrios.

Mais de vinte anos depois, o especial é lembrado não pela história em si, mas pela sensação. Uma atmosfera silenciosamente deslocada, que parecia romper alguma expectativa implícita sobre o que era “seguro” num programa infantil. Anos depois, ao reaparecer no YouTube, os comentários se alinharam: “Achei que fosse um delírio coletivo”, “Me dava medo real”, “Essa música me persegue até hoje”. O que ficou não foi saudade, mas uma sensação esquisita que insistia em voltar.

Não era o enredo que inquietava. Nem os personagens, isoladamente. O que marcava era o clima, a ausência de explicações, a sensação de que a história era contada de dentro da mente de uma criança – uma que ainda não distingue direito o que é real, o que é sonho, o que é invenção. A lavanderia vira um portal para a ilha de Melakunka, habitada por criaturas de nomes nonsense como “Pato Que Ri” e “Criatura”. Isso sem falar do pelicano excêntrico, que era piloto de avião. Nada ali se justifica, tudo só acontece. E é justamente por isso que gruda na memória – porque toca o estranho sem anunciar.

Os cenários, feitos com tecidos, caixas e objetos domésticos, reforçam essa ambiguidade. Lembram cabaninhas improvisadas, mas sempre com algo torto, um detalhe fora do lugar, uma sombra a mais. Os bonecos não piscam. Observam. Os espaços parecem feitos para brincar, mas emitem um desconforto surdo, como acordar no próprio quarto e notar que algo está sutilmente errado.

No centro disso tudo, a música. A canção-tema repete o mesmo verso como um mantra girando em círculos: “Cadê o Léo, o Léo onde é que está?” Mas ela não leva a lugar nenhum. Ela só repete. E gruda. Muitos adultos relatam lembrar da música surgindo do nada, anos depois, como um fragmento esquecido que o corpo guardou. Ela não era apenas trilha – era um vínculo invisível entre o que se perdeu e o que nunca se explicou.

A sensação mais profunda é a de perda. Júlio busca algo amado que sumiu sem razão. E quando reencontra… já não é o mesmo. Léo voltou, mas algo se quebrou com a perda, com o luto e com a busca bizarra. Essa virada silenciosa é um luto sem nome, uma ausência disfarçada de final feliz. Uma espécie de aprendizado invisível: o que some pode voltar, mas nem sempre volta igual.

Talvez seja por isso que tantos adultos hoje revisitam o especial com um desconforto que não conseguem traduzir. Não era medo de monstros. Era a percepção, ainda que embrionária, de que o mundo não garante devolução. "Cadê o Léo?" era um ritual disfarçado. Um jeito torto de dizer à infância que existe sombra – e que, um dia, ela chega.

E talvez a coisa mais potente – e mais sutil – seja essa: usar espuma pra falar de perda. Fantoches pra falar de ausência. Canções de roda pra falar de luto. E por isso ficou. Entrou fundo, numa dobra da memória, onde as coisas que doem e encantam moram juntas.

Assistir hoje, com olhos crescidos, é como voltar a um sonho meio apagado. Você reconhece os gestos, os sons, as texturas. Mas agora entende. E aí percebe que a máquina de lavar não era só uma máquina. Era um portal simbólico. O começo. Um aviso mudo de que até o que a gente ama pode desaparecer. E, se voltar… talvez já não caiba mais no mesmo colo.

Então, quando alguém canta “Cadê o Léo…”, não está só evocando uma lembrança de infância. Está, sem perceber, chamando de volta uma parte de si que ainda busca – não um brinquedo, mas o que se perdeu na travessia. E que talvez nunca volte do mesmo jeito.

Se quiser assistir a esse nostálgico e bizarro filme infantil, é só clicar abaixo!

Aqui vão alguns comentários selecionados, retirados do Youtube:

@leu5: "Meu trauma de infância e de todas as crianças da década de 90"
@RafaelPassarin13: "Eu ficava cantando 'cadê o Leo, cadê o Leo, o Leo onde é que está?' e só agora fui descobrir que era desse programa kkkk"
@camilaamaral1518: "Nossa, quando eu era pequena eu fiquei tão triste que o Léo sumiu kkkkkk chorava horrores, mas nunca tinha assistido o final. Que nostalgia!!!!"
@victorachutti1039: "Nossa, que presente poder encontrar essa série aqui. (...) Tinha 5 anos quando assisti, e tinha poucas lembranças, mas sabia que era algo que me marcou muito e me deu uma sensação que nunca havia sentido até então. Pra mim não era medo, mas um sentimento enigmático de mistério e fantasia."