Earthbound
Imagine que você está caminhando por uma cidadezinha tranquila, onde o sol brilha e as risadas das crianças ecoam pelas ruas. É tudo tão familiar, quase como uma memória acolhedora de um tempo que você nem se lembra direito. Mas, de repente, as coisas mudam. As cores ao seu redor começam a se distorcer, o céu ganha tons neon impossíveis, e as pessoas começam a falar coisas que não fazem o menor sentido. Esse é o ponto de partida de EarthBound, um jogo que constantemente te surpreende e te joga em uma jornada onde o cotidiano se mistura com o surreal, o familiar com o completamente bizarro.
Lançado em 1994 no Japão como Mother 2 e trazido para o ocidente em 1995 como EarthBound, esse jogo faz parte de uma série que se destaca pela sua abordagem nada convencional aos RPGs. Enquanto o primeiro Mother já introduzia essas ideias, foi em EarthBound que o estilo único da série realmente se solidificou. Um misto de humor, mistério e uma profundidade emocional que ninguém esperava. Na época, o jogo não fez tanto sucesso fora do Japão, mas com o tempo ele se tornou um clássico cult, com uma legião de fãs que até hoje explora seus mistérios e teorias.
O que faz EarthBound ser tão especial é o jeito como ele desafia as convenções. Enquanto outros RPGs da época te levavam para mundos cheios de dragões e cavaleiros, EarthBound te coloca em uma espécie de paródia de subúrbio americano. Aqui, crianças usam tacos de beisebol e ioiôs como armas, e você enfrenta inimigos como hippies furiosos e robôs alienígenas. Mas o jogo não é estranho por ser estranho. Ele tem uma narrativa densa, cheia de emoções, que fala sobre amadurecimento, perda da inocência e o confronto com o desconhecido.
Uma das maiores forças de EarthBound está na construção do seu mundo. O jogo faz você sentir que está sempre prestes a vivenciar algo extraordinário. Desde a tranquilidade das ruas de Onett até as paisagens surreais de Moonside, onde as cores são invertidas e a lógica não faz sentido, o jogo te envolve em um universo que te faz rir com seu humor excêntrico, mas também te assusta com suas estranhezas. Personagens como o Mr. Saturn e os habitantes de Saturn Valley são exemplos perfeitos dessa mistura entre o inocente e o perturbador.
E então chegamos a Giygas, um dos vilões mais perturbadores da história dos videogames. Ao contrário de outros vilões que têm motivações claras, Giygas é o caos puro, uma força destrutiva sem forma física, que desafia qualquer explicação. A batalha final contra Giygas é, sem dúvida, uma das mais desconcertantes. A música distorcida, os visuais caóticos e a sensação de impotência que o jogo te passa criam uma experiência de terror psicológico única. A famosa frase “Você não pode compreender a verdadeira forma do ataque de Giygas” ecoa perfeitamente a desorientação que permeia toda essa luta.
Essa batalha não é só o desafio final, como também o auge de uma jornada emocional e psicológica. Ness e seus amigos — Paula, Jeff e Poo — começam o jogo como crianças comuns, mas ao longo da aventura eles enfrentam muito mais do que apenas monstros. Eles encaram seus próprios medos e dúvidas. Em Magicant, Ness precisa confrontar as partes mais profundas de sua mente, em uma sequência que é tanto introspectiva quanto devastadora.
A trilha sonora de EarthBound também é fundamental para criar a atmosfera do jogo. Ela alterna entre melodias nostálgicas e sons desconfortantes, especialmente nos momentos mais críticos. Durante o confronto com Giygas, a música atinge um ponto de tensão insuportável, aumentando a sensação de que você está lutando contra algo incompreensível.
Apesar de todo o mistério e escuridão, EarthBound consegue ser incrivelmente engraçado. Seu humor é excêntrico, cheio de referências à cultura pop ocidental, como os Beatles, e quebra a tensão em momentos-chave, criando um equilíbrio perfeito entre o leve e o sombrio. Os diálogos absurdos com NPCs e as situações imprevisíveis te mantêm constantemente envolvido.
No fim das contas, EarthBound é uma experiência única, que mistura o surreal e o emocional de uma maneira que poucos jogos conseguem. Ele te desafia a abandonar suas expectativas e te convida a mergulhar em um mundo onde o familiar e o desconhecido estão sempre colidindo. Ao mesmo tempo em que te faz rir, ele te deixa inquieto, e é isso que garante que EarthBound continue sendo uma experiência inesquecível — um jogo que não só desafia as regras dos RPGs, mas transcende os limites do próprio gênero.