Trilogia Bioshock
Imagine se deparar com uma cidade submersa, perdida nas profundezas do oceano. Rapture, de longe, já te impressiona com sua grandiosa arquitetura em art déco – um estilo dos anos 1920 e 1930 que combina formas geométricas, linhas retas e luxo – e seus neons piscando no meio da destruição. Mas o que realmente te envolve é o clima opressivo, quase claustrofóbico, que te cerca a cada passo. Logo você percebe que essa cidade, que um dia foi uma utopia vibrante, é agora um pesadelo. No começo, há uma certa beleza, um ar de fascínio, mas, conforme você explora, entende que essa fachada esconde uma realidade brutal e sombria. O perigo está sempre presente.
Os antigos habitantes de Rapture, deformados e consumidos por sua obsessão com o ADAM, a substância que dá poderes sobre-humanos, rondam os corredores. Você ganha acesso a esses mesmos poderes, que te permitem controlar fogo, eletricidade, ou até a mente dos seus inimigos. Mas essa sensação de poder nunca dura muito. Rapture é um lugar onde o poder corrompe tudo, e o jogo faz questão de te lembrar disso o tempo todo, equilibrando as habilidades que você adquire com a constante falta de recursos e a presença de inimigos implacáveis. Aqui, o poder tem um custo, e isso repercute em cada decisão que você toma.
À medida que você avança, a cidade começa a revelar suas camadas mais complexas. Bioshock é uma obra de arte não só visual, mas narrativa. A história não é entregue de bandeja — você precisa explorá-la, coletar fragmentos de informações, ouvir gravações deixadas para trás, entender os motivos por trás da ascensão e queda de Rapture. E mesmo depois de terminar o jogo, a trama permanece com você, instigando perguntas. Mesmo após zerar o jogo, é interessante recorrer a vídeos para compreender completamente o enredo, que brinca com conceitos de livre-arbítrio, controle e moralidade. O famoso "Would you kindly?" ("Poderia, por gentileza?") é um exemplo perfeito de como o jogo te faz questionar se você realmente está no controle ou apenas seguindo um roteiro cuidadosamente desenhado.
Mas é a estética de Bioshock que realmente me fascina. Poucos jogos conseguem criar uma atmosfera tão envolvente quanto essa saga. A ambientação de época, encharcada de retrofuturismo, te transporta para outra realidade, ao mesmo tempo bela e decadente. Cada detalhe, desde a arquitetura até a trilha sonora, foi feito para te imergir completamente nesse mundo. É o tipo de estética que eu, pessoalmente, considero incomparável. Rapture, com suas influências dos anos 1930, é uma mistura perfeita de sonho e pesadelo, onde o luxo e a degradação andam lado a lado. Poucos jogos chegam perto dessa combinação única, talvez apenas a estética da saga Fallout, mas Bioshock traz uma elegância sombria que é difícil de superar.
Se Rapture é uma metáfora da corrupção pela ambição e pela ganância, Columbia, cenário de Bioshock Infinite, revela uma face diferente, mas igualmente perturbadora. Ao contrário da cidade submersa, Columbia flutua nos céus, com suas ilhas suspensas e festividades patrióticas. Mas logo ao tocar o chão, você percebe que essa cidade, que parece saudar o esplendor do American Dream, é um lugar profundamente opressivo, onde o racismo e o fanatismo religioso governam. A história de Bioshock Infinite se desenrola de maneira frenética, com combates dinâmicos em trilhos aéreos, e uma narrativa que se aprofunda em universos paralelos e escolhas morais. Elizabeth, sua companheira na jornada, é mais do que uma simples ajudante — ela tem o poder de abrir fendas para outras realidades, e cada ação que ela realiza pode mudar o curso da história. Isso traz uma sensação de mistério e urgência que faz de Columbia um lugar tão fascinante quanto Rapture, mas de um jeito completamente diferente.
Ainda assim, é impossível ignorar o quão central é a estética nessas cidades. Columbia, com sua estética vitoriana e futurista, também tem uma beleza visual que contrasta violentamente com o horror político e social que permeia cada esquina. As ruas ensolaradas e os desfiles patrióticos são apenas uma máscara para uma sociedade profundamente desigual e segregada, onde aqueles que vivem à margem lutam por sobrevivência. É um ambiente deslumbrante, mas traiçoeiro, onde cada detalhe revela as rachaduras de uma civilização que se esconde atrás de ideais falsos.
Voltando a Rapture, especialmente em Bioshock 2, há uma profundidade emocional ainda mais evidente, com a dinâmica entre as Little Sisters e os Big Daddies. Esses gigantes, que antes pareciam ser apenas monstros, revelam uma relação profundamente simbólica com as Little Sisters, as crianças que eles protegem com tudo o que têm. A psicologia por trás dessa relação vai além do simples "bem contra o mal". Em Bioshock 2, você assume o papel de um Big Daddy, e a sensação de vulnerabilidade emocional ao proteger uma Little Sister adiciona uma nova camada de complexidade ao jogo. Essas figuras, que antes pareciam só brutamontes violentos, se transformam em seres trágicos, presos numa existência de proteção e obediência cega, enquanto as Little Sisters, manipuladas e corrompidas, vagam pelas ruínas de Rapture em busca de ADAM. Essa dinâmica é central e toca em questões de dependência, proteção e perda de inocência.
Essa carga emocional, misturada à estética única e à profundidade da história, é o que torna Bioshock uma série tão única e insubstitível. Não é apenas um jogo de tiro ou um exercício de exploração — é uma experiência filosófica, onde você é constantemente desafiado a questionar suas próprias escolhas, ao mesmo tempo em que se perde em cenários de tirar o fôlego. Ao final, o que fica não são apenas as batalhas ou os poderes que você conquistou, mas a reflexão sobre poder, controle, moralidade e a fragilidade das utopias.
Antes de finalizar, tem algo que eu levei um tempo para entender e quero explicar, que é a diferença entre ADAM, EVE e Plasmids. O ADAM é a pedra-angular de Rapture, pois é ele que permite que você mude sua genética. Já os Plasmids são as habilidades especiais em si, como lançar fogo, eletricidade ou mover objetos com a mente. O problema é que o ADAM só pode ser conseguido através das Little Sisters, meninas transformadas pela substância. Aqui está o dilema: você pode salvá-las ou sacrificá-las, e isso afeta a quantidade de ADAM que você terá, além de influenciar o final do jogo.
O EVE, por sua vez, é o que "carrega" os Plasmids, funcionando como a energia que os alimenta. Toda vez que você usa uma habilidade, como dar um choque ou manipular algo, o EVE é consumido rapidamente. Se ele acabar, você não consegue usar essas habilidades até conseguir mais. Isso te força a pensar o tempo todo se vale a pena usar um poder agora ou guardar para depois. No fim, o jogo é sobre equilibrar o uso do ADAM e do EVE. Quanto mais poder você quer, mais caro isso sai, seja em recursos ou em escolhas morais. E é justamente esse equilíbrio entre sobrevivência e corrupção que torna a experiência de Bioshock tão única.
De todo modo, mesmo que você consiga chegar ao fim da trilogia, é provável que algumas questões ainda fiquem na sua cabeça. É o tipo de jogo que te leva a buscar respostas, seja revendo gravações que você encontrou no jogo ou assistindo vídeos explicativos para compreender as camadas mais profundas da trama. Bioshock te deixa pensando por muito tempo depois que os créditos finais rolam — e isso, para mim, é o que define uma verdadeira obra-prima.