domingo, 8 de setembro de 2024

A história dos videogames no Brasil


Que o Brasil não é para amadores, a gente já sabe. Agora, se tem uma história que ilustra isso com perfeição é a saga dos videogames no país, uma jornada movida a pirataria, contrabando e, claro, muito improviso. Nos anos 80 e 90, enquanto o resto do mundo se recuperava do crash dos videogames de 1983 e tentava entender o que deu errado, o Brasil seguia outro caminho, quase que em um universo paralelo. Por aqui, não tinha crise que segurasse a galera, e se os jogos não chegavam oficialmente, a gente dava um jeito. Nasciam então os consoles piratas, os clones e as locadoras de jogos, que viraram verdadeiros templos para os gamers de plantão.
O Brasil, naquela época, estava longe de ser o mercado estruturado que vemos hoje. O país vivia sob a ditadura militar, e as políticas de importação eram rígidas. Importar um console? Praticamente impossível. Mas, como dizem por aí, "a necessidade é a mãe da invenção". Foi assim que surgiram os clones do Atari, como o Top Game, e a famosa pirataria começou a ganhar forma. A Gradiente, sempre ousada, liderou essa onda ao lançar o Phantom System, um clone do Nintendo que se tornou um sucesso absoluto por aqui, rodando os mesmos jogos e, em alguns aspectos, até superando o original. Já a TecToy, que também não estava de brincadeira, fez história ao representar oficialmente a Sega no Brasil e ao adaptar jogos clássicos para o público brasileiro. De um lado, a pirataria corria solta, e do outro, o Brasil construía seu próprio império gamer, ainda que na base da malandragem.
A febre dos anos 90 não pode ser contada sem mencionar dois jogos que marcaram uma geração inteira: Super Mario World e Ultimate Mortal Kombat 3. Quando Super Mario World chegou ao Brasil em 1993, junto com o Super Nintendo (trazido pela Playtronic em uma parceria com a Gradiente e a Estrela), ele já era um sucesso mundial, mas por aqui ele virou quase uma religião. Quem não lembra de passar horas tentando descobrir todos os segredos do mundo do Mario, coletando cogumelos verdes e penas, e andando pelas costas do Yoshi? O jogo trouxe uma jogabilidade inovadora, com caminhos alternativos e fases secretas que pareciam nunca ter fim. Além disso, era o primeiro contato de muitos brasileiros com o Super Nintendo, que era tão desejado que as crianças sonhavam com ele antes mesmo de seu lançamento oficial.
Por outro lado, nos fliperamas, quem dominava era Ultimate Mortal Kombat 3 (UMK3). O jogo de luta, com seus gráficos impressionantes para a época e seus fatalities icônicos, virou febre entre os jovens. Não tinha um fliperama em que não rolassem desafios épicos, com cada jogador tentando provar sua superioridade com Scorpion, Sub-Zero ou Liu Kang. Era um fenômeno: UMK3 lotava as locadoras e os fliperamas de todo o país, e quem conseguisse dar o famoso "Finish Him!" com perfeição ganhava o respeito eterno da galera. O jogo se tornou um símbolo dos anos 90, e até hoje é lembrado com carinho por aqueles que viveram essa época de ouro dos games.
Agora, não dá para contar essa história sem mencionar a relação quase obsessiva que a geração dos anos 90 tinha com os videogames. A coisa era tão intensa que a televisão chegou a fazer reportagens sobre a febre dos jogos no Brasil. As crianças passavam horas grudadas na tela, imersas em mundos que só existiam nos jogos. A solidão, os desafios e a concentração eram parte do pacote. Era um universo em que a morte não era o fim, e sim uma chance de tentar de novo – quantas vezes fosse necessário. Afinal, na vida real, a gente não pode reiniciar o jogo, mas no mundo dos videogames, essa era a regra de ouro. Quem jogava sabia que, para chegar ao final, era preciso morrer várias vezes e aprender com cada erro.
E, se você achava que a coisa toda se limitava aos consoles e fliperamas, é bom lembrar que nos anos 90, o Brasil também assistia ao crescimento das locadoras de games, que se tornaram um ponto de encontro dos jogadores. Essas locadoras eram o coração pulsante da cultura gamer, onde a galera se reunia para alugar fitas de jogos ou disputar campeonatos. No meio disso tudo, os pais também entraram na jogada. Em uma época em que manuais de instrução estavam em inglês e as crianças não sabiam ler direito, os adultos acabavam ajudando, lendo as instruções e, muitas vezes, jogando junto com os filhos, numa união quase sagrada entre gerações.
A verdade é que a história dos videogames no Brasil é sobre resiliência e criatividade. A gente nunca esperou as coisas caírem no nosso colo – a gente foi lá e fez acontecer, nem que fosse no improviso. Seja com um clone do Atari, com Super Mario World no Super Nintendo, ou com as lutas épicas de Ultimate Mortal Kombat 3, o Brasil construiu seu próprio caminho no mundo dos games, e até hoje essa história inspira e motiva uma nova geração de jogadores e desenvolvedores que seguem reinventando as regras. Porque, no fim das contas, jogar videogame no Brasil nunca foi só sobre diversão – foi sobre encontrar uma maneira de fazer parte de algo maior, mesmo quando as cartas estavam todas contra nós.